A FILOSOFIA REALISTA OU A RAZÃO HUMANA NÃO SE OPÕEM, DE MANEIRA ALGUMA, AO EVOLUCIONISMO.
À primeira vista esta afirmativa pode, e vai realmente, causar estranheza a alguns, mas apesar do respeito que se deve a estes espíritos delicados, a verdade deve ser dita em alto e bom som, mesmo que doa... a quem doer...
O Evolucionismo é a teoria que ensina que o Universo, no começo, encontrava-se em estado de homogeneidade radical, diferençando-se depois, pouco a pouco, e por este processo, efetivando o surgimento do mundo dos corpos químicos, depois dos seres vivos irracionais, com todas as espécies que o caracterizam e, finalmente, do homem.
Bem entendido o processo acima, a sã razão não vê nenhuma incompatibilidade entre criação e evolução, ou entre a existência de Deus e o evolucionismo, mesmo porque o Universo encontra-se já aí, feito, produzido, em progressão, e a mesma sã razão, mediante o princípio de causalidade, exige uma causa anterior e superior a qualquer coisa feita, produzida, e portanto, também para este Universo em estado de homogeneidade.
O EVOLUCIONISMO SEGUNDO A FILOSOFIA PERENE
O Evolucionismo que a Filosofia Perene não coloca óbice, ou afirma ser aceitável na proporção em que seja racional e possua dados experimentais que o possa fundamentar, tem que ser teísta e finalista, ou seja, tem que existir uma Causa Primeira no início do Universo e uma finalidade à qual tende o progredir da matéria. Esta Causa Primeira, denominada Deus, é quem produz os seres, e destes seres o primeiro a ser produzido foi a matéria, que não é eterna, mas criada a partir do nada (ex nihilo) - o que significa que nenhuma coisa entrou na sua criação como elemento constituinte -. Ao ter sido produzida, a matéria encontrava-se em estado bruto, primitivo, homogêneo, e seu Autor ou Criador, a dotou das Leis da Evolução, permitindo, desta maneira, que por efeitos destas leis, fosse evoluindo, progredindo, e assim atingindo sucessivamente o estado dos minerais inanimados e o dos seres animados - vegetais e animais infra-racionais.
Então, até aqui vemos uma primeira intervenção da Causa Primeira ao criar a matéria primitiva e dotá-la de leis de aperfeiçamento progressivo, teoria esta que não repugna de forma alguma a razão humana, pois salva o princípio de causalidade no início do processo. Depois, quem nega à Causa Primeira, e portanto, Superior aos efeitos, poder de além de criar, semear leis de desenvolvimento na criatura? Por que pode a Causa Primeira criar - que é tirar do nada um ser, ou mais rigorosamente, tirar de sua onipotência - e não poderá dispor o criado à evolução, ao aperfeiçoamento progressivo?
A matéria homogênea do Universo progrediu por vontade do Criador, produzindo os outros seres, minerais e animais, e não venham com o argumento de que do menos não pode sair o mais, pois o mais aqui, neste caso, é a Voluntas Dei, a Vontade de Deus, que assim dispôs as coisas, que assim determinou o desdobramento do primeiro ser criado.
Mas agora surge a pergunta: e o homem, também surgiu pelo mecanismo da evolução?
A esta pergunta a Filosofia distingue no homem corpo e alma. Quanto ao corpo, segue-se o que até aqui vimos, ou seja, o corpo humano, sendo matéria, pode provir por evolução da matéria bruta, primitiva, passando por fases de aperfeiçoamentos sucessivos, pelos animais infra-humanos, e quando tiver chegado ao grau de complexidade ou aperfeiçoamento suficientemente organizado, recebe a alma racional, o princípio interno de vida humana, criada diretamente pela Causa Primeira.
A alma, por sua vez, como ensina a Psicologia Racional, é espiritual, ou seja, não dependente da matéria, e por isso, não pode surgir por evolução, mas somente por criação direta da Causa Primeira, Deus. A alma transcende a potencialidade da matéria, e por esse motivo, não pode estar virtualmente contida nela.
E por aqui vemos uma segunda intervenção divina ao criar a alma humana para o corpo organizado, vindo de uma evolução aperfeiçoadora querida pelo mesmo Deus a partir da matéria bruta.
A Filosofia realista ou a sã razão nada tem a opor, portanto, às teorias evolucionistas, mesmo aquelas que admitem a passagem natural da matéria inanimada para o grau de matéria dotada de vida infra-humana, ou seja, vegetativa e sensitiva, desde que salvaguardem estas duas intervenções divinas: 1) Deus produziu a matéria primitiva ex nihilo, do nada, e a dotou de leis da evolução e 2) a alma humana ou espírito se origina não por evolução, mas é diretamente criado pela Causa Primeira.
E O EVOLUCIONISMO DARWINISTA, O QUE PENSAR?
O Evolucionismo proposto por Charles Darwin (1809-1882), naturalista britânico, repugna à razão, é contrário aos ditames da Filosofia Perene, pois este, sim, é uma doutrina mecanicista, atéia, ateleológica, de perspectiva materialista, ou seja, não salvaguarda na origem da matéria Deus, nem tende a evolução para um fim proposto pela Inteligência Divina. É um Evolucionismo, enfim, que dispensa a Sabedoria Divina.
Deve ser esclarecido aqui que das duas premissas acima citadas que devem ser salvaguardadas pelo filósofo realista e por todo aquele que deseja aceitar o Evolucionismo, a primeira é estritamente filosófica, pois o princípio de causalidade é uma exigência natural da razão humana, enquanto a segunda - a criação da alma humana do nada por Deus - é conclusão teológica ensinada pelos Papas, mas que não aberra ou contradiz à Filosofia, pelo contrário, a auxilia naquilo que ela não alcança.
CONCLUSÃO E EXCURSO HISTÓRICO
O Evolucionismo considerado em si mesmo é aceitável racionalmente, pois é um processo ou progresso querido hipotéticamente por Deus numa matéria que lhe é submissa e que possui aquilo que os antigos estudiosos chamavam de potência obediencial, capacidade de se adequar à Vontade divina. Este Evolucionismo não se opõe ao Criacionismo, não expulsa do início absoluto Deus, não é um mero evoluir sem finalidade, não afirma a evolução na base do "struggle for life", da luta pela vida, onde as espécies mais fortes subsistem nesta luta, enquanto as mais fracas perecem.
Os dados da Evolução são patentes em nossos dias, os cientistas estão aí a comprovar, os indícios existem aos montes, e por tudo isso pode-se, ou é lícito, aderir à esta teoria desde que se faça a devida distinção entre os dados empíricos e quaisquer interpretações materialistas, atéias que se lhe dá.
Para finalizar, faremos um excurso histórico da ideia do evolucionismo na Antiguidade, na Idade Média e no Renascimento, chegando até o século XIX, sem, todavia, entrar no darwinismo que aqui já foi tratado. Este excurso é apenas ilustrativo para mostrar o quanto a evolução esteve presente no pensamento humano em todas as épocas, mesmo na Idade Média, quando uma interpretação literal das Escrituras, abonava a concepção fixista de espécie.
Na Antiguidade as várias teorias cosmogônicas desenvolveram-se de acordo com o meio ambiente em que estavam inseridas. Entre os egípcios predominou a concepção de que os fenômenos naturais se sucedem sem interrupções bruscas, numa série contínua. Esta ideia da continuidade passou para os gregos e constituiu uma espécie de denominador comum em todo o pensamento filosófico helênico. Os filósofos jônicos, no século VI antes de Cristo, são os que mais se aproximaram, dentro da filosofia grega, das doutrinas evolucionistas. Todas as concepções cosmogônicas dos jônios refletem uma imagem da evolução natural e contínua do mundo, mesmo que o 'elemento primordial' varie de um para outro: a 'água' para Tales de Mileto, o 'ar' para Anaximenes, o 'fogo' para Heráclito. Porém, é em Anaximandro (610-545 a.C.) onde se encontra os primeiros indícios de evolução dos seres vivos.
Empédocles (490-435 a.C.), com sua teoria dos 'quatro elementos', ar, terra, água e fogo, parece vislumbrar a teoria da seleção natural, onde tanto as plantas como os animais surgiram da terra, originados de membros e órgãos unidos ao azar, permanecendo como viáveis apenas as uniões harmônicas.
Aristóteles (372-322 a.C.), por sua vez, ensinava que a natureza progride desde os seres mais simples até aos mais complexos, porém não se pode entender esta afirmativa em sentido filogenético, evolutivo, mas em sentido puramente formal, baseado na "Escada da Natureza", ou "Grande cadeia dos seres", como mais tarde será denominada esta ordenação linear dos distintos grupos de organismos.
Na Idade Média, com a chegada do Cristianismo, as ideias cosmogônicas contidas na Sagrada Escritura, restritas até então ao povo hebreu, alcançaram uma amplitude universal. A hermenêutica literalista, interpretando o relato bíblico de maneira literal, difundiu a crença no fixismo ou imutabilidade das espécies vegetais e animais, que perdurará por muitos séculos, até precisamente no século XIX, com resquícios, porém, até nossos dias, século XXI, em grupos, associações ou entidades que não aceitam o óbvio e, portanto, o racional.
Não obstante isso, alguns homens cultos desta Idade, entre os quais se destaca Agostinho de Hipona (353-430), sustentaram opiniões que podem ser interpretadas em favor de uma certa evolução cósmica antes da criação do homem. Segundo Agostinho o mundo foi criado por Deus, porém o princípio da criação não exclui que haja evolução, progresso, desenvolvimento. Deus teria criado o mundo num estado de indeterminação e de imperfeição e de maneira gradual as múltiplas formas vão se determinando e se especificando até alcançarem a organização de seres mais complexos e perfeitos. Nesta matéria originária, indeterminada e imperfeita germes latentes destinados a desenvolverem-se com o passar dos séculos foram inseridos pelo Criador, teoria esta chamada das razões seminais.
No Renascimento, ao longo do século XVI, uma série de acontecimentos fizeram mudar a visão fixista herdada da Idade Média: A observação direta dos fenômenos naturais, o progresso no setor anatômico, os grandes tratados como os de Gesner e Aldrovandi, a fundação dos primeiros jardins botânicos e museus, etc, etc.
O descobrimento do Novo Mundo foi também um dos acontecimentos que mais contribuíram para a superação desta mentalidade, aportando dados novos, considerando os fatos sob novos pontos de vista. Já em 1590 o Padre José de Acosta levantava a questão seguinte: "Como é possível existir nas Índias animais que não existem em outra parte do mundo?" (cf. História Natural e Moral das Índias, 1.4 c.36).
No curso dos séculos XVII e XVIII há um incremento nos avanços começados no século XVI nos variados campos das ciências naturais, havendo conhecimento mais sistematizado acerca dos seres vivos, estabelecendo-se o conceito de espécie como uma unidade constante, elaborando-se novos sistemas de classificação e nomenclatura, como a de Ray (1627-1705), e sobretudo, como a de Linneu (1707-1778).
Muito divulgada esteve, então, a concepção de que todos os organismos formam uma grande cadeia ou escala que se estende desde as formas mais simples até as mais complexas, e é neste momento que a fórmula aforística 'natura non facit saltus', a natureza não dá saltos, encontra sua máxima expressão na obra filosófica de Leibniz (1646-1716).
A 'preformação', teoria segundo a qual o organismo adulto já estaria contido em germe no embrião com todos os seus caracteres, muito se difundiu na embriologia deste tempo, tendo sido combatida por Wolff (1738-1794) com a teoria da 'epigênese'.
Muitos foram os que especularam sobre a evolução, com mais ou menos fundamento, como De Maillet (1656-1738), Maupertuis (1698-1759), Robinet (1735-1820), e Erasmo Darwin (1731-1802). Deve-se assinalar, entretanto, que estes especuladores estavam influenciados pela ideia que vem desde Aristóteles da "Scala naturae", advogando um sistema linear de evolução, um transformismo inicial em cadeia desde os organismos mais simples aos mais complexos.
Lamarck (1744-1829), todavia, é quem representa o auge das tendências evolucionistas do século XVIII. Publicou em 1809 seu célebre Philosophie zoologique, onde ensina que a natureza produziu sucessiva e gradualmente os vários organismos, desde os mais rudes aos mais avançados, ideia esta fundamentada na 'Scala naturae'. Estas ideias não foram bem recebidas e tiveram, na época, pouca transcendência.
Paulo Barbosa.
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