segunda-feira, 14 de março de 2011

LITERATURA LATINA (XXIII): A PROSA CLÁSSICA, ERA DE CÍCERO - HISTORIOGRAFIA [1ª PARTE]

CAIO JÚLIO CÉSAR

BIOGRAFIA

Gaius Julius Caesar (100-44 BC).JPG
César
CÉSAR (100-44 a.C.) pertencia à família patrícia, e até mesmo dizia-se descendente de Enéias e do quarto rei de Roma, Anco Márcio. Recebeu esmerada instrução desde a infância, desenvolvida e completada mais tarde quando estudou eloquência sob a direção do rétor Mólon, em Rodes. Ingressou muito cedo no partido popular de Mário, seu tio, e cursou os graus da magistratura. Foi suspeito de ter apoiado a conspiração de Catilina, mas a única coisa que consta é que esforçou-se por impedir a condenação à morte dos conjurados. Até ser eleito cônsul, em 59, era apenas um nobre democrata, como muitos outros, em busca de popularidade.

Ao deixar o consulado, foi nomeado procônsul da Gália cisalpina e transalpina, esta última muito pouco extensa ainda. Conquistou, então, todo o resto do país, até o Reno. Seu exército lhe era consagrado com muita devoção, proclamando-o o chefe que há sempre de ser seguido por toda parte. Na guerra civil, foi inimigo de Pompeu. Em vários e difíceis momentos saiu vitorioso e foi nomeado ditador. Mostrou-se para com os adversários clemente e amável.

Estava preparando uma expedição contra os Partos, quando foi assassinado no Senado, em 15 de março de 44.

JUÍZO SOBRE CÉSAR

Cícero havia predito no Pro Marcello, IX, 29, que a posteridade julgaria de maneira diversa a César. Na realidade teve admiradores e críticos apaixonados. Porém, quer seja estimado ou odiado, César deve ser reconhecido como um dos homens mais extraordinários que já surgiram, desses homens que ocupam na História o mais eminente posto.

Possuía vigorosa e lúcida inteligência, vontade enérgica e tenaz, bravura indômita, ousadia unida à prudência, dom maravilhoso de atrair e cativar o soldado, possuindo tudo que um bom general deve possuir. A rapidez de seus movimentos estratégicos assombrava os adversários. Sua atividade administrativa não foi talvez menos extraordinária, durante a sua curta ditadura.

Qualidades morais também eram predicados de César, e no mais das vezes revelou clemência para com os adversários, generosidade e nobreza de alma. No entanto, não pode ser admirado sem reservas, pois sua vida particular foi eivada de vícios vergonhosos e crueldades indesculpáveis, cometidas por arrebatamento ou vingança política.

O MAIOR GENERAL DE TODOS OS TEMPOS

César deve ser incluído entre os maiores chefes militares não somente da Antiguidade, mas de todos os tempos. Essa era a opinião de Napoleão I que, para tanto, tinha competência: "Os princípios da arte da guerra são os que inspiraram e orientaram os grandes chefes, cujos magnos feitos nos tem transmitido a História - Alexandre, Haníbal, César, Gustavo Adolfo, Turenne, o príncipe Eugênio, Frederico o Grande" (Correspondance, ed. in-8º, XXXI). Depois Napoleão explica quais princípios são estes: "Os princípios de César foram os mesmos que os de Alexandre e de Haníbal: conservar as forças reunidas, não ser vulnerável em ponto algum, transportar-se com rapidez aos pontos importantes, confiar nos recursos morais, na reputação de suas armas, no temor que o chefe inspira, e também nos meios políticos para conservar a fidelidade dos aliados e a obediência dos povos submissos; recorrer a todos os expedientes possíveis para assegurar a vitória no campo de batalha, o que se consegue reunindo aí todas as tropas" (Ibid.).

OBRAS

As obras de César subdividem-se em conservadas inteiras até nossos dias e fragmentos. As conservadas são as seguintes:

1. COMENTARII DE BELO GALLICO, escrito durante suas campanhas na Gália, dia a dia, ou segundo outros, no final de cada ano, durante a calmaria do inverno. No entanto, Mommsen, especialista alemão em  História da Antiguidade Latina, e muitos outros com ele, são do parecer de que esta obra foi produto de um jato só, imediatamente antes de sua publicação. Segundo críticos, veio à lume provavelmente em 52 ou 51 a.C.

Os Comentarii são compostos dos seguintes sete livros: Livro I: narra a guerra contra os Helvécios e Ariovisto, no ano 58; Livro II: Guerra contra os Belgas e submissão dos povos da Armórica, no ano 57; Livro III: Guerra dos Alpes, contra os Vênetos e os Venelos da Armórica, mais a expedição de Crasso à Aquitânia, de César contra os Mórinos e os Menápios, no norte da Gália, no ano 56; Livro IV: Guerra contra os Usípetes e os Tencteros. César atravessa o Reno. Primeira expedição à Germânia. Primeira expedição à Grã-Bretanha. Luta no noroeste da Gália, no ano 55; Livro V: Segunda expedição à Grã-Bretanha. Guerra contra Ambiorige. Ataque do campo de Quinto Cícero. Submissão dos Sénones e dos Tréviros, no ano 54; Livro VI: Insurreição da Gália. Segunda expedição à Germânia. Guerra contra os Eburões, na Bélgica, no ano 53. Livro VII: Insurreição geral da Gália. Guerra de Vercingetórige, em 52.

2. COMENTARII DE BELLO CIVILI, composto talvez em 45 ou 44, mas só foi publicado após a morte de César.

Compõem-se dos seguintes três livros: Livro I: Discussão no Senado. César passa o Rubicão e expulsa da Itália os pompeianos, no ano 49; Livro II: Combates diante de Marselha. Sítio da cidade. Submissão da Espanha por César. Rendição de Marselha. César nomeado ditador. Derrota e morte de Curião na África, no ano 49; Livro III: Combates perto de Dirráquio. Vitória de César em Farsalo. Fuga e morte de Pompeu. Início da Guerra de Alexandria, em 48.

VERACIDADE DOS COMENTÁRIOS

Inúmeras verificações confirmaram a exatidão do De Bello Gallico, confrontando-o com monumentos - escavações, vestígios deixados pelos acampamentos, etc -, com outras narrativas independentes - que são raras, no entanto. Esforçaram-se muitos críticos e escritores em colher falsidade em César, mas foi em vão o intento. Outros pensaram em refazer as narrativas das campanhas acreditando assim aproximar-se da verdade, caindo, entretanto, em inverossimilhança de vulto.

Não se pode aceitar, claro, pura e simplesmente todas as afirmativas da obra, pois mesmo quando César narra fatos exatos, possui sempre certa maneira peculiar de apresentá-los.

Ao De Bello Civili se aplica a mesma reflexão. Neste, entretanto, sendo mais larga a parte política, há motivos maiores para a desconfiança. Os fatos militares são exatos e certos, porém, à justificação pessoal se dá mais atenção e espaço.

VALOR LITERÁRIO

Os Comentários são muito bem compostos. É uma narrativa viva, ágil, sem pormenores inúteis. O valor literário de César é aí avultado quando se compara aos seus continuadores, mesmo Hírcio, de todos o mais hábil. 

A frase é sempre natural, quer seja curta, quer se desdobre em período longo. Coordena tão perfeitamente os fatos, que nada se lhes pode tirar ou colocar.

César escreveu com grande pureza, evitando palavras vulgares, obsoletas ou poéticas, e as duas obras possuem as mesmas qualidades de composição e de estilo, havendo, porém, mais requinte no De Bello Gallico. Provavelmente não deu a última demão ao De Bello Civili.

Além destas duas obras, há fragmentos de outros escritos de Cícero que se perderam:

1. DISCURSOS. Vários discursos de César foram publicados, e no dizer de Tácito, era êmulo dos maiores oradores (Anais, XIII, 3). Quintiliano disse (X, 1, 114) que se César tivesse se consagrado unicamente aos negócios do foro, seria o único digno de entrar em cotejo com Cícero.

2. CARTAS. Existiram pelo menos três coleções: cartas ao senado, a Cícero e a amigos. Delas restam hoje apenas umas poucas, conservadas nas correspondências de Cícero.

3. ANTICATÃO. Obra escrita no ano 45, respondendo a um elogio de Catão publicado por Cícero.

4. DE ANALOGIA. Obra em dois livros, dedicada a Cícero, e que versa sobre Gramática.

5. APOFTEGMAS. Coletânea de ditos sentenciosos.

6. POESIAS. Escreveu César tragédia: Édipo; Laudes Herculis; Iter, que é a narrativa de sua viagem de Roma à Espanha em 46. Foram estes escritos proibidos de ser publicados pelo Imperador Augusto, por parecerem pouco dignos de César.
Paulo Barbosa.

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