sábado, 1 de agosto de 2009

MÁRIO FERREIRA DOS SANTOS: ADVOGADO, ANARQUISTA E INVENTOR DA 'FILOSOFIA CONCRETA"

Mário Ferreira dos Santos (1907-1968), professor e publicista brasileiro, nascido em Tietê, São Paulo, foi autor de uma vasta e desigual obra, de sabor sincrético, confluindo influências de Santo Tomás de Aquino, Nietzsche, Hegel, Stirner e notabilizando-se como tradutor da obra nietzscheana. Era formado em direito, autodidata em filosofia e adepto, no campo político, do anarquismo mitigado. Usava o pseudônimo de Dan Andersen e com este publicou duas mensagens anarquistas: "Se a esfinge falasse..." e "A realidade do homem".
É criador de um sistema filosófico denominado "Filosofia Concreta", "uma matematização da filosofia, fundada em juízos apodíticos, universalmente válidos, que decorrem segundo o nosso método dialético, uns dos outros, com o máximo rigor, em busca de positividades" ("Filosofia Concreta, Prefácio") e explica que "entende-se comumente por concreto a representação que corresponde a algum ser real, captado pela intuição sensível" (ib.).
Em seu primeiro livro "Filosofia e cosmovisão", dividido em duas partes, uma, a introdução à filosofia geral, outra, a cosmovisão, defende o método fenomenológico de Husserl, Hessen, e Pfander e faz paralelo entre a filosofia ocidental e a oriental, taxando a ocidental de especulativa, desinteressada, sem um fim fora de si mesma, enquanto o Oriente é místico, porém possuindo filósofos objetivos, havendo apenas, entre ambas filosofias, uma distinção de grau, concluindo "que é muito mais ampla do que se pensa a contribuição oriental ao pensamento grego" (ib).
Na obra "Lógica e dialética" propugna uma lógica concreta, que seja includente, não dispensando a lógica aristotélica, mas buscando concrecioná-la.
Ensina em "O homem perante o infinito" ser "o bem positivo e o mal também o é; o dualismo do bem e do mal..." afirmação típica do gnosticismo dualista oriental.
Vários são, pois, os vícios desta filosofia concreta, matematizada e pitagórica, que visa ter a mesma certeza que a geometria em suas proposições, começando pelo neo-positivismo, quando aceita somente "positividades", ou seja, aquilo que exclusivamente pode ser provado pela experiência, o que equivale a rejeitar às questões ou fórmulas metafísicas como desprovidas de sentido, porque não se submetem aos sentidos; o método fenomenológico, subjetivista, kantiano, mediante o qual se coloca entre parênteses a realidade do mundo natural, o senso comum, as proposições científicas, pela epoché, que possibilita desta maneira à consciência ater-se ao dado enquanto tal e descrevê-lo em sua pureza, desembocando assim no intuicionismo como fonte principal de conhecimento, pelo qual o homem capta diretamente a realidade de algo individual existente, que se mostra imediatamente em sua concreta plenitude, negando desta forma o conhecimento abstrativo, próprio do homem, que prescinde da presença viva do conhecido.
Ao afirmar que houve contribuição do pensamento oriental ao pensamento grego, afirma uma tese controvertida ainda não provada com suficiência, como também é sumária e pouco convincente a equiparação dos pensamentos ocidental e oriental, que se distinguem, a seu ver, apenas em 'grau' e não em essência, pois, tal influência teria sido impossível por jamais ter havido filosofia na acepção estrita do termo no Oriente, próximo ou remoto. O que se chama filosofia ou sabedoria oriental não passa de um acervo de falsas doutrinas, irracionais em sua maioria, como o panteísmo, monismo, pan-psiquismo, gnosticismo, etc.
Enfim, a definição que dá do mal, como ser positivo, existência concreta, e não como a privação de um bem devido num sujeito que o devia possuir, é mostra clara da infecção gnóstica dualista desta filosofia que, por muitos que se confessam seguidores dos ideais clássicos e objetivos e até mesmo tomistas, é tida no Brasil como verdadeira filosofia, exaltando o Sr. Mário Ferreira como filósofo autêntico, realista, submisso à verdade objetiva, quando ele mesmo declarou: "Procuramos nessa obra expor idéias nossas, genuinamente nossas, concrecionando o que de positivo outras doutrinas expuseram, mas obra, em sua arquitetônica, totalmente nossa, afrontando assim, o espírito colonialista passivo de muitos brasileiros, que não crêem, não admitem e não toleram que alguns tenham a petulância de formular pensamentos próprios" ("Lógica e dialética, Prefácio"). Vê-se aí a petulância de Sr. Mário Ferreira ao apresentar pensamentos seus, idéias suas, genuinamente suas, na fabricação de mais uma pseudo-filosofia com lustres de científica, almejando abarcar somente dados empiricamente comprovados, mas por outro lado aceitando a gnose oriental como filosofia autêntica, e filosofia que deveria iluminar o Ocidente. Realmente, na História, sempre o Racionalismo esteve aliado ao Irracionalismo, como as duas cabeças da serpente, no caduceu de Hermes.
Paulo Barbosa.

2 comentários:

Felipe Coelho disse...

Muito prezado Professor, Ave Maria Puríssima!

Muitíssimo interessante!

Essas desmistificações são bem importantes e andam muito em falta hoje em dia, lamentavelmente.

Este texto do senhor até me inspira a escrever algo semelhante, quem sabe contra Ortega e os orteguistas (Mariás, mais ou menos Zubiri, etc.), por exemplo, outra unanimidade burra "das direitas", pois não aguento mais ver gente citar "Eu sou eu e minhas circunstâncias" como se fosse uma expressão do senso comum e não a afirmação de inspiração heideggeriana/diltheyana negadora da substância individual que na realidade é, que sabe ao panteísmo.

Enfim, aguardo com expectativa mais resenhas do gênero!

E certamente voltarei com frequência a este seu blog tão interessante e promissor, ao qual cheguei por indicação de nosso bom amigo comum, o Aruan.

Um grande abraço,
Em JMJ,
Felipe Coelho

AJBF disse...

Caro Prof. Barbosa, Salve Maria Imaculada!

Parabéns pelo blog.

Embora concorde com todos os vossos comentários, artigos e análises anteriores que li, tenho que discordar de vós com relação a este último relativo ao Mário Ferreira dos Santos em alguns pontos.

Primeiramente: MFS certamente não é dualista. No dicionário de filosofia escrito por ele, verbete "Dualismo", ele - após uma exposição - refuta veementemente essa idéia, e rejeita-a sempre que pode nas suas exposições secundárias do tema.

Ler o 1º volume do livro "Filosofia Concreta" deveria ter deixado claro o que é para o autor a "positividade da negação" (No último capítulo do livro "O Homem perante o Infinito", ele também explica isso com as mesmas bases, mas aplicando agora isso ao "mal", tratando da "positividade do mal") - dando uma exposição em nada contraditória com a sã filosofia. Nota-se isso especialmente logo nas primeiras teses seqüenciais (de segunda importância) que estão no primeiro volume do "Filosofia Concreta" - tenho aqui em vista as teses 23 a 26, página 80, 3ª edição.

Em segundo lugar: a acusação de neo-positivismo é igualmente equivocada. "Positividades" aqui não devem ser entendidas no sentido Comteano da palavra - sentido também criticado em VÁRIAS obras dele, inclusive com refutações gravadas de viva voz, disponíveis na net para quem quiser ouvir. O conceito de congregar "positividades" aqui é reaproveitar todas as análises, teses e perspectivas corretas, verdadeiras e valorosas que outras vertentes filosóficas puderam encontrar - e não limitar as coisas a um empirismo do tipo 'lockeano' (também criticado por ele no seu dicionário, aliás...).

Dizer que MFS rejeita as provas metafísicas é algo errôneo: há, claro, teses metafísicas explícitas e admitidas em suas argumentações da "Filosofia Concreta" e, embora não sejam as únicas presentes no livro, são parte constitutiva da argumentação e demonstração de MFS.

No mais, vou postando quando puder alguns comentários. Agradeço por ter ajudado-nos com vosso saber.

Att.

AJBF