sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

ESPÍRITO GEOMÉTRICO E DE SUTILEZA: DUAS ATITUDES QUE DEVEM SE COMPLETAR

Blaise Pascal
Homens há que em tudo procede de modo rígido, exigindo deduções rigorosas e evidência absoluta por toda parte, em todo tipo de conhecimento, enquanto outros são maleáveis e dóceis, acomodando-se a todo tipo de ordens de verdade e contentando-se com o grau de certeza que estas comportam. Os primeiros são os detentores do espírito geométrico, e os segundos do espírito de finesse.
O termo espírito neste contexto significa uma certa disposição psicológica na apreciação e aquisição do conhecimento dos fatos.
Foi Blaise Pascal (1623-1662), filósofo francês, autor do famoso 'o coração tem razões que a razão desconhece', quem tratou nos seus Pensées com muito tato destas duas disposições da alma humana, caracterizando cada uma com muita perspicácia e inteligência.
O esprit geometrique, segundo o filósofo francês, é caracterizado pela aptidão particular, pela inclinação para a dedução; é aquele que sabe tirar as últimas conclusões de todas as premissas que lhe são oferecidas, mas que fica perturbado, perplexo, quando uma proposição não pode assegurar uma verdade tal que possa ser testada pelo absurdo da sua contraditória. O homem imbuído deste espírito admite somente um método, o geométrico, e pretende aplicá-lo em tudo, em toda área do conhecimento, e a ciência que se recusa a submeter a tal procedimento, é rejeitada e desprezada.
Já o esprit de finesse é flexível, maleável, sutil, desembaraçado, e conforme Pascal, "vê as coisas num só relance", numa visão rápida, e quando lhe falta a evidência plena, os princípios absolutos, aceita as probabilidades, as aproximações, as presunções, suposições e conjecturas. É o tipo de homem que formula hipóteses explicativas, que descobre meios termos, e aprecia a indução. 

Que espírito é o melhor? Qual deve ser o preferido? A esta pergunta respondemos que nem um nem outro deve predominar no homem dedicado ao cultivo da inteligência, mas ambos devem estar presentes de maneira equalizada, num misto de equilíbrio, pois o espírito geométrico não é falso, e o mesmo Pascal declara que "os espíritos falsos nunca serão flexíveis nem geométricos", mas é incompleto, é essencialmente lacunoso, falho, e isto devido a que "os geômetras que são geômetras, continua Pascal, possuem espírito reto, contanto que se lhes expliquem bem todas as coisas com definições e princípios". O espírito geométrico unido ao flexível, lhe confere consistência, capacidade de precisão, o que não ocorreria caso não houvesse tal união, permanecendo este - o espírito de finesse - vago e superficial, e pior, incapaz para especulações científicas e filosóficas.
É verdade que Platão mandou afixar este aviso na entrada de sua Academia: "Ninguém que não seja geômetra entre aqui", mas por outro lado declarou com razão Bordas de Demoulin, filósofo cartesiano do século XIX, que realmente sem matemática não se penetra até ao fundo da filosofia, mas, ao contrário, sem filosofia também não se penetra até ao fundo da matemática, e sem as duas não se penetram até ao fundo de nada.
Paulo Barbosa.

Nenhum comentário: