sábado, 23 de abril de 2011

LITERATURA LATINA (LVIII): ÉPOCA PÓS-CLÁSSICA - A POESIA ÉPICA [1ª PARTE]


A POESIA ÉPICA



MARCO ANEU LUCANO



LUCANO (39-65 d.C.), nascido em Códova, Espanha, foi, porém, cedo para Roma. Era sobrinho do filósofo Sêneca. Ainda muito cedo começou a brilhar nas declamações gregas e latinas e depois de ter sido, durante certo tempo, favorito de Nero, seus triunfos poéticos começaram a obscurecer a glória do Imperador, que, enciumado, lhe proibiu aparecer em público. Para se vingar, aderiu à conjuração de Pisão, que foi desvendada. Condenado à morte, Lucano abriu as veias recitando versos que havia composto outrora sobre a morte de um soldado ferido.

OBRAS

Escreveu muitos poemas, mesmo tendo morrido muito jovem: ORFEU; ILÍACON; ELOGIO DE NERO, que é invectiva contra o Imperador; MEDÉIA, uma tragédia inacabada; EPIGRAMAS, além de DECLAMAÇÕES e CARTAS.

Restam-nos hoje de Lucano apenas um poema conhecido ordinariamente com o nome de

Farsália
FARSÁLIA ou PHARSALIA, ou antes BELLUM CIVILE, é um poema épico em 10 livros. O assunto é a guerra civil entre César e os Pompeianos, tendo sido interrompido de uma hora para outra devido à morte do autor. Relatou os acontecimentos até a guerra de Alexandria, e não se pode saber até onde iria a narrativa, se Lucano tivesse vivido mais tempo.

Lucano escreveu e publicou os três primeiros livros na época em que ainda desfrutava a amizade de Nero, e neles glorifica o Imperador. Os livros IV-X, escritos bem mais tarde, só foram publicados depois da morte do autor, e compostos após o rompimento de suas relações com Nero. Nestes exalta Pompeu em detrimento do ditador.

CARACTERÍSTICAS DO POEMA

Na Farsália sente-se a influência das declamações em que o autor se distinguia. Além dos 119 discursos, às vezes bem longos, a retórica leva primazia à inspiração poética. O autor entra em cena, invectiva, apostrofa os heróis, os deuses, o destino.

As descrições são intermináveis, laboriosas, minuciosas. Lucano ostenta uma erudição que parece muito vasta, mas que pode ter sido haurida em número relativamente pequeno de livros. Pode-se-lhe notar muita semelhança com as Questões Naturais de Sêneca.

A ação é conduzida pelos homens, não pelos deuses, sendo, portanto, muito pouco o maravilhoso. Não há um herói no poema, mas vários, de acordo com as diversas partes: César, Pompeu, Catão, o Senado.

ESTILO

Muitas vezes o estilo é prosaico, outras declamatório e de mau gosto. Aqui e ali, entretanto, se depara com rasgos de eloquência, mal colocada talvez, mas verdadeira, versos cheio de rara felicidade, cheios de força, bem distribuídos, muitos conceitos e trechos de uma sensibilidade que se poderia dizer-se virgiliana. A concisão chega até a obscuridade, todavia.

REPUTAÇÃO

A Farsália, embora criticada por ocasião de seu aparecimento, constituiu um sucesso de livraria. Ao menos é isso o que demonstra muitos epigramas que Marcial coloca na boca de Lucano, como o seguinte:

Sunt quidam qui me dicunt non esse poetam,

sed qui me vendit bibliopola putat.

Talvez não passe de alusão à propaganda que fazia o livreiro. 

Foi citado por Tácito no mesmo plano de Horácio e Virgílio, elogiado por Quintiliano mais a título de orador que de poeta, admirado por Estácio, parodiado por Petrônio, desde cedo comentado pelos gramáticos. Por tudo isso se vê que Lucano teve na Antiguidade reputação discutida, mas brilhante. 

Na Idade Média conheceu o mais notável sucesso, quando todos os demais poetas eram esquecidos. Os modernos o apreciam consideravelmente menos, como por exemplo, Boileau, poeta satírico francês do século XVIII, que censurou Corneille, dramaturgo do século anterior, por admirar Lucano:

Tel s'est fait par ses vers distinguer dans la ville,

Qui jamais de Lucain n'a distingué Virgile

[ Art poétique, IV, 83].
Paulo Barbosa.

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