quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

SERVIDÃO É DIFERENTE DE ESCRAVIDÃO?

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Anônimo Lucas disse...

Só uma pequena correção: 
A palavra que St Tomás utiliza é servo, que é diferente de escravo. A escravidão (privação total da liberdade) St Tomás condena. 
Pode-se observar como ele utilizava a palavra "servo" neste link: http://www.corpusthomisticum.org/sth3057.html
15 de dezembro de 2011 01:14



Caro Lucas,
Apesar da atual distinção entre servo e escravo, o que Aristóteles e Tomás de Aquino defendem é a existência de pessoas naturalmente dispostas ao serviço de outras, sem, claro, perderem completamente a sua liberdade. Fica a liberdade interna, a mais autêntica  de todas. Aliás, estes dois mestres tinham em vista a escravidão da Antiguidade, seja entre os Hebreus ou na Grécia ou em Roma, bem diferente da que ocorreu na Modernidade com os povos africanos. Tais homens na Antiguidade podiam cair na escravidão de duas maneiras (segundo os mestres acima) pela natureza, como se disse, ou mediante uma guerra vencida. 
Depois, a questão filológica não abona esta distinção artificial, pois se você analisar o verbete ESCRAVIDÃO num dicionário de Português-Latim, verá que na língua do Lácio tal verbete é vertido por SERVITUS, UTIS (ou seja, aquilo que é exercido pelos servos). Autores há que distinguem a servitus do famulatus, sendo a primeira absoluta e por isso repugnante à razão, enquanto o famulatus seria uma escravidão mitigada por os escravos fazerem parte da família. Porém, filologicamente não se sustenta. O que Santo Tomás defende é que o serviço prestado a outrem mediante o servus seja mitigado e não absoluto a ponto de se constituir em simples objeto ou bem do senhor.
Tito Lívio, autor na era pós-clássica da Literatura Romana, para traduzir "LIBERTAR-SE DA ESCRAVIDÃO', assim escreveu: "SERVITUTEM EXUERE", e César, para traduzir "REDUZIR À ESCRAVIDÃO", disse: "IN SERVITUTEM ABDUCERE".
Para você ter uma noção mais específica, veja o que o Dicionário de Sinônimos Latinos, de H. Brunswich, revisto pelo Dr. João Manoel Corrêa, Porto, 1893, diz sobre os termos usados para expressar escravo e ajudante:
Primeiramente, que ESCRAVO pode ser expresso por SERVUS, FAMULUS, ANCILLA, SERVA, MANCIPIUM, VERNA, MINISTER e ADJUTOR, podendo estes dois últimos ser escravos ou livres:
"SERVUS designa o escravo sob o ponto de vista jurídico ou político;
FAMULUS designa o escravo sob o ponto de vista patriarcal, isto é, como fazendo parte da família;
MANCIPIUM designa o escravo sob o ponto de vista econômico, isto é, considerado como propriedade ou como mercadoria - (Este seria o termo mais apto para traduzir ESCRAVO no sentido que você objetou, ou seja a escravidão moderna, com os africanos);
ANCILLA no uso ordinário é considerado como o feminino de SERVUS, pois os bons escritores não usam da palavra SERVA senão em certos casos jurídicos ou  que se baseiam em algum ponto do direito;
VERNA designa o escravo que não foi comprado, mas que nasceu em casa - (É daqui que vem VERNÁCULO, a língua de casa, da pátria);
MINISTER é o criado considerado só pelos serviços que presta, seja livre ou escravo, e o ADJUTOR é o que ajuda, o ajudante, também livre ou escravo".
Por fim, veja o que Deonísio da Silva, professor de língua portuguesa e membro da Academia Brasileira de Filologia, no seu livro "De Onde Vêm as Palavras" escreve sobre o assunto:
"ESCRAVO veio do médio grego sklábos, eslavo, passando pelo latim medieval sclavu. Era comum os vencedores levarem os vencidos à escravidão, mas o termo escravo consolidou-se com tal denominação depois que o imperador Carlos Magno submeteu os povos eslavos, fazendo com que trabalhassem de graça. Na língua de tais etnias, estabelecidas no leste europeu, eslavo significa brilhante, ilustre. Até então, as palavras latinas para designar escravo eram famulus, servus e mancipium". 
Por aqui se vê que o termo escravo/escravidão são tardios, criados a partir de uma realidade histórica específica. Já o termo SERVUS é um particípio do verbo latino SERVO, AS, ARE, que significa CONSERVAR. Servus é aquele que foi conservado numa guerra, que não foi morto, e por isso, foi aproveitado para prestar serviços ao vencedor. Refere-se, pois, ao 'escravo', conforme vimos acima, no sentido político ou jurídico.
Enfim, usando Santo Tomás SERVUS não quer dizer que não possa ser traduzido por ESCRAVO no sentido que entendemos, de um ser humano submetido a outrem para prestar serviços. O que Tomás defende, entretanto, é que esta escravidão seja mitigada e não absoluta.

Paulo Barbosa

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