quarta-feira, 5 de agosto de 2009

A ADMIRAÇÃO: CAUSA GENÉTICA DA FILOSOFIA - E DA CIÊNCIA - NO HOMEM

É sentença comum em Platão e Aristóteles que a Filosofia nasceu ocasionalmente da admiração, e com razão ensinaram isso, pois a admiração surge no homem quando este está em presença de algum fato estranho, insólito, novo ou simplesmente grande, de que ignora-se inteiramente a causa ou não a alcança facilmente; é resultante, pois, da mescla de conhecimento e ignorância. Sucede, no entanto, que no princípio admira-se poucas coisas, muito manifestas e particulares, porém, com o passar do tempo, começa-se a admirar muitas coisas, mais ocultas e universais, e finalmente chega-se até às mais apartadas dos sentidos e mais universais de todas, como ensina acertadamente Santo Tomás de Aquino no seguinte texto:
"Tanto os que filosofaram no princípio, como os que seguiram depois filosofando, começaram por admirar-se de alguma coisa. Mas de maneira distinta aqueles e estes, porque
1. os que filosofaram em um princípio, se admiravam de poucas coisas, a saber, das que estão mais à vista, e buscavam a causa delas; mas
2. os que filosofaram mais tarde, como passaram pouco a pouco do conhecimento das coisas manifestas à inquisição das ocultas, começaram a investigar coisas maiores e mais escondidas, por exemplo, as propriedades da Lua, seus eclipses e suas fases, que viam variar com acerto as diversas posições daquela com respeito ao Sol; e de parecida maneira se colocaram a investigar as propriedades do Sol, seus eclipses, seus movimentos e seu tamanho; e em geral, as propriedades de todos os astros, suas magnitudes, sua ordenação e outras coisas semelhantes; até que chegaram a perguntar pela origem de todo o Universo, do qual diziam uns que se deviam à casualidade, outros ao entendimento e outros ao amor" (I Metaph. lect. 3, nº 54).
Obervemos neste texto a belíssima gradação do processo cognitivo, que também se encontra no texto de Aristóteles, pois as propriedades da Lua são mais manifestas, por serem mais frequentes e facilmente podem ser conhecidas por todos, enquanto as propriedades do Sol são mais raras, ainda que mais admiráveis, e todavia, mais raras ainda são, ou assim parece, as propriedades dos astros. Por último, termina-se ascendendo desde as partes à consideração do todo no Universo. Mediante isso vê-se como Aristóteles e Santo Tomás ensinavam a Filosofia filosofando.
Juan Luis de Vives, pensador espanhol do século XVI, diz: "A novidade engendra a admiração e esta, enquanto a consideração da mente se detém nela durante certo tempo, estimula a busca e a investigação" ("De instrumento probabilitatis liber unus, t. III, pag. 82).
Desta maneira, vê-se que o movimento pelo qual a Filosofia se produz no homem, começa com o conhecimento sensível e imperfeito, de algum fenômeno ou fato, grande e raro, como, por exemplo, um eclipse do Sol ou da Lua, ao qual movimento segue-se certa deleitação imperfeita, ainda que cheia de doçura. Imediatamente a essa deleitação, a razão percebe que existe uma causa magna daquele fato, e a esta percepção segue-se um veemente impulso da vontade de buscar e conhecer essa causa. Ordena, pois, a vontade ao entendimento que investigue essa causa, e uma vez que este a alcança plena e perfeitamente, experimenta uma plena e perfeita deleitação, descansando mui docemente na contemplação da causa.
Esquematicamente:
I - O movimento em que a Filosofia consiste começa:
A) Por parte da potência cognoscitiva, na percepção de algum fato sensível, o qual,
a) sob a razão de sensível, é apreendido pelo sentido, e
b) sob a razão de fato, é alcançado de imediato pelo entendimento, e
B) Por parte da potência afetiva,
a) em uma deleitação sensível que responde à sensação, e
b) em certa deleitação intelectual imperfeita, mas espontânea, que segue à apreensão intelectual do fato em questão;
II - Continua depois com:
A) um sentimento de admiração que perdura enquanto o homem conhece o efeito e ignora sua causa que deve ser grande; donde, excitado pela deleitação anteriormente dita
B) passa logo a investigar com afã aquela causa, sem descansar até que a alcança; e finalmente
III - o movimento termina:
A) no pleno conhecimento, por parte da inteligência, e;
B) na plena quietude e deleitação, por parte da vontade.
Paulo Barbosa.

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