sábado, 8 de janeiro de 2011

PRIMEIRA VIA RACIONAL DA DEMONSTRAÇÃO DE DEUS: O MOVIMENTO

A Teodiceia, disciplina filosófica que tem como finalidade provar a existência de Deus apenas com o concurso da razão humana, oferece cinco caminhos ou vias que visam levar a inteligência humana a descobrir e aderir a Deus como Causa Primeira do mundo. Destas cinco vias, abordaremos neste artigo a primeira, que é a que argumenta a partir do movimento.

Antes de iniciarmos a argumentação, devemos estar cientes de que apesar de as cinco vias ou os cinco argumentos racionais se completarem e corroborarem, cada um por si só é plenamente demonstrativo, e por isso, suficiente para provar o almejado.
Depois, todas as provas da existência de Deus são a posteriori, ou seja, partem da experiência fundada em dados que o mundo sensível manifestam. Aqui são os efeitos que conduzem e elevam a inteligência até à Causa.

EXPOSIÇÃO DA PRIMEIRA VIA

É fato manifesto e inegável que no mundo ocorre movimentos. Todas as experiências de todos os homens confirmam isso. Tudo que é criado está sujeito a contínuas mudanças. Ora, os movimentos ou mudanças são passagens da potência para o ato, e enquanto tal devem ser determinados. Esta determinação, porém, não pode se dar pela própria substância que se move, pois ninguém pode dar o que não tem. Logo, é necessário que exista um motor distinto que determine a passagem da potência ao ato.
Este motor ou é movido por outro motor ou é imóvel. Se é movido, a inteligência humana pede para ir subindo de motor em motor até encontrar um motor imóvel, porque se não existisse este motor imóvel, não poderiam existir os motores móveis, que não possuem em si mesmos a razão do seu movimento, e por isso não haveria movimento nas coisas criadas, no mundo.
Se é imóvel, é o que se denomina Deus. Logo, Deus existe. 
Esta é a exposição clássica da primeira via, que em outros termos significa que tudo o que é movido, antes de passar da potência ao ato carece em si mesmo da perfeição que o ato vai em breve lhe comunicar, e por esse motivo há a necessidade de um outro que possui em ato tal perfeição. Este outro, logicamente, além de estar já em ato, deve ser distinto do que é movido. A filosofia sintetizou toda esta argumentação na proposição "Quidquid movetur ab alio movetur", "Tudo o que se move é movido por outro", ou seja, pede um motor estranho ou exterior a ele.

De outra maneira ainda pode-se explicitar o argumento acima, mostrando que em toda série de motores subordinados uns aos outros, o último atua graças à energia que lhe confere o penúltimo, e este atua graças à energia que recebeu do anterior, e assim vai de grau em grau até chegar, necessariamente, ao primeiro motor que tem de existir em ato antes de todos os demais.

Ainda uma outra forma mais acessível pode ser proposta para a compreensão da primeira via, mediante a Lei da Inércia, ratificada pela mecânica moderna, onde se declara que nenhum corpo em repouso pode dar a si mesmo o movimento e que nenhum corpo em movimento pode modificar por si só sua própria ação de mover. 

Depois, se se conceber o mundo num estado de repouso,de inércia, será impossível explicar o movimento sem a intervenção de um motor que seja distinto do mesmo mundo e por si mesmo imóvel; se se conceber o mundo em movimento, como realmente está, será necessário explicar por que se modifica em alternativas periódicas de ação e repouso, observadas pela ciência e pelo senso comum. 
Para mais além de mundo, será necessário, então, reconhecer e confessar que existe um Primeiro Motor Imóvel, que produziu, move e dirige todas as coisas.

NOTA EXPLICATIVA

Torna-se necessário explicar aqui que o movimento na argumentação da primeira via não é o tomado em sentido lato, aquele que exprime a translação, a mudança de um lugar para o outro, mas sim toda e qualquer mudança ou passagem da potência ao ato. Logo, o argumento exposto acima equivale a este raciocínio:

O mundo é mutável.
Ora, todo ente mutável depende do ente imutável.
Logo, existe o ente imutável.
O ente imutável é chamado universalmente de Deus.
Logo, Deus existe.

Paulo Barbosa.

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