quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

TEORIA DO CONHECIMENTO CLÁSSICA: INTELECTO AGENTE E INTELECTO POSSÍVEL

No aristotelismo, ou mais precisamente, na teoria do conhecimento clássica, o intelecto humano é uma potência passiva, capaz de receber os inteligíveis ou ideias como seu objeto, não existindo formas ou ideias inatas. Como se dá a recepção destes inteligíveis ou donde vêm eles, no sistema aristotélico, não pode ser de um mundo transcendental, de substâncias separadas ou inteligências superiores, pois são hipóteses que não se sustentam verdadeiramente ou contrariam a experiência. Resta, enfim, que as ideias procedam do conhecimento sensível. Porém, aqui, surge uma grave dificuldade: como poderão os objetos materiais estarem presentes numa faculdade que é imaterial, espiritual? As coisas materiais são apenas potencialmente inteligíveis, e necessitam de se transformarem em atualmente inteligíveis para poderem ser objetos adequados da inteligência.

É esta a questão que por ora propomos estudar.

É fato que o homem possui experiências, entra em contato com os seres concretos, singulares, e uma vez de posse da experiência, esta se eleva à ideia, ou seja, a uma consideração geral, universal, aplicável a todos os casos do mesmo gênero, e analogicamente, até mesmo a casos que vão além do gênero e o transcendem.
Como, então, se dá esta transformação da experiência em ideia, visto ser a experiência sensível, do concreto, e a ideia abstrata e do universal? Segundo a Psicologia Metafísica, essa transformação só é possível porque na alma humana existe uma potência transformadora capaz de tornar inteligível em ato, ou seja, em ideias gerais e abstratas, as imagens sensíveis produzidas pela experiência. Esta potência é chamada de intelecto agente.
Aristóteles compara esta potência à luz: da mesma maneira que a luz torna as cores visíveis, assim o intelecto agente torna inteligível as imagens sensíveis, atualizando-as. 
É também Aristóteles quem ensina ser o intelecto agente o efetuador da abstração, processo que despoja a 'species' ou semelhança extraída das coisas das condições da matéria que a singulariza.
Tomás de Aquino na Summa explicita de maneira magistral o pensamento do Estagirita ao afirmar:
"Não adimitindo Aristóteles (ao contrário de Platão) que as formas das realidades materiais possam subsistir sem matéria e não sendo estas formas, na sua condição material, inteligíveis em ato, segue-se que as naturezas ou as formas das coisas sensíveis, atingidas pela nossa inteligência, não são inteligíveis em ato...
Impõe-se, portanto, que se admita a existência, ao lado da inteligência, de uma certa potência cuja função seja atuar os inteligíveis, abstraindo as 'species' de suas condições materiais. Eis o que obriga a admitir um intelecto agente" (cf. Iª Pª, q. 79, a. 3).
Ao abstrair a 'species' das suas individualidade, transformando-a, espiritualizando-a, tornando-a imaterializada, e portanto, adequada para ser captada pela inteligência, é ela impressa numa outra potência, agora receptora, chamada de intelecto possível ou passivo. Este é a verdadeira potência do conhecimento, e não o agente. O intelecto agente nada conhece, apenas transforma, espiritualiza uma similitude material para adequá-la à uma potência imaterial, espiritual, a inteligência.

Resumindo, a teoria do conhecimento clássica advoga que as imagens que o homem recebe pelas experiências que tem no seu dia a dia são inadequadas para serem objetos da inteligência humana, visto esta ser uma faculdade imaterial, e por isso mesmo não ser adequada para receber formas materiais diretamente. Estas devem passar por um processo de transformação, procedimento este que fica a cargo do intelecto agente, potência humana que espiritualiza as imagens materiais para torná-las aptas ao conhecimento intelectual. Ao finalizar sua ação, as ideias ou os inteligíveis são inseridos ou impressos na faculdade denominada intelecto passivo ou possível, verdadeira potência do conhecimento, que ao ser informado pela 'species' imaterial exerce a atividade cognitiva.
Paulo Barbosa.

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