quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

ATO E POTÊNCIA: CONSTITUTIVOS INTRÍNSECOS DA CRIATURA

Em 30 de abril de 2010, neste mesmo espaço virtual, tratamos acerca da Potência e do Ato, mas nunca é demais retornar a tão cara doutrina para os estudiosos do ser, ou seja, aqueles que cultivam o saber filosófico, mesmo porque é este um dos temas mais árduos da Metafísica que não se esgota em apenas um tópico.

De todas as coisas que existem no mundo, umas podem existir, mas não existem, enquanto outras passaram do poder de existir para a existência. Aquilo que pode existir é o que se denomina em Filosofia de potência, e o que passou à existência é o que se denomina de ato. O bebê é um matemático em potência, e o bom professor de matemática é matemático em ato.
Estes dois conceitos explicam-se e definem-se por suas mútuas relações: a potência é uma capacidade, é um começo, é aquilo que reclama desenvolvimento, perfeição, acabamento, enquanto o ato é o complemento, é a perfeição ou o acabamento que se lhe outorga.
Não se deve pensar que a potência aqui tratada é uma mera capacidade ou possibilidade pura, mas é sim uma capacidade real existente em um sujeito real, é uma potência subjetiva. O fogo é um princípio de atividade, que causa o calor, e a água é um princípio de recepção, que pode receber o calor. Ora, a potência de produzir calor é ativa, e a potência de recebê-lo é passiva. Ambas são reais e são princípios de ação: da potência ativa do fogo emana o ato, e na potência passiva da água há o princípio onde se recebe o ato.
Então, pelo visto acima, a potência subjetiva, aquela que existe num sujeito real, se divide em duas espécies: potência ativa, que é o princípio da atividade de um agente, e potência passiva, que é a aptidão que possui uma coisa de receber perfeição, complemento ou transformação de outra.
A potência passiva, por sua vez, em relação ao agente pode ser de duas espécies, natural e obediencial, segundo a relação que possui com o agente. Se o agente lhe é proporcional, é natural, mas caso o agente lhe transcenda, é obediencial.

O Ato é uma noção positiva que implica perfeição, acabamento, e como a potência, não pode ser definido, por ser uma noção primitiva, que todo homem possui de modo vago, mas real, ao analisar o movimento, por exemplo. Pode, no entanto, ser declarado como 'aquele ser que é constituído com alguma perfeição'.

Deve-se saber que nas relações entre o ato e a potência:

1. O ato é anterior à potência. Conforme vimos, são correlativos, mas existe uma ordem hierárquica entre ambos, devendo o ato preceder à potência, e até mesmo explicá-la. E esta anterioridade é de ordem lógica, pois a potência só pode ser definida ou entendida pelo ato, e de ordem metafísica, pois o ato deve ser primeiro pela razão principal de ser perfeição.

2. O ato é limitado pela potência. O ato por si mesmo diz perfeição, e enquanto tal não tem motivo para ser limitado, finito. Por si mesmo não pode limitar-se, pois seria contraditório asseverar que a perfeição se limita por si mesma, se coarcta, se restringe. Logo, só pode ser limitada por um princípio que dela se distingue, ainda que com ela seja solidário. Ora, este princípio é a potência. Em toda composição de ato e potência, portanto, deve-se afirmar que o ato está limitado pela potência, que este ato é misto, e que pelo contrário, o Ato Puro é ilimitado ou perfeito.

3. O ato se multiplica pela potência. Esta assertiva é corolário natural da anterior. Se existe um ato que não seja limitado por uma potência, este ato é perfeito, e além disso, deve ser único, pois não se pode conceber que dois seres igualmente perfeitos possam se distinguir um do outro. Disto resulta que se uma mesma perfeição se encontra multiplicada, tal coisa só pode ocorrer em virtude de um princípio que dela se diferencia, e que este outro não é que a potência que o recebeu.

4. Todo ser é ou ato ou potência. Isto quer dizer que todo ser ou existe ou pode existir. Se existe, pode ser ato puro, e daí ilimitado, perfeito, ou ato misto, ato misturado com potência, e por isso mesmo imperfeito, possuindo capacidade real de receber ulteriores atualizações ou perfeições. - Se não existe, mas não envolve contradição em seus termos, pode passar a existir, ou seja, pode ser atualizado.

Concluindo, devemos ter presente que o ato e a potência são dois princípios que organizam toda a criação, que dão conta da estrutura profunda de todos os seres finitos, explicando suas limitações e multiplicidade. As grandes divisões clássicas de matéria e forma, de substância e acidentes, de essência e existência, não são mais que aplicações variadas da distinção fundamental de ato e potência. Daí, a importância para o estudioso de filosofia em compreender muito bem esta doutrina, pois é a mola mestra da Metafísica aristotelica-tomista.
Paulo Barbosa.

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