segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

LITERATURA LATINA (V): COMEDIANTES DO PERÍODO ARCAICO

INTRODUÇÃO GERAL

A comédia do período arcaico era dividida em duas espécies: Fabula palliata e Fabula togata.

1. A Fabula palliata, que era imitação das peças gregas da nova comédia. Os atores vestiam-se com o pallium, manto grego que correspondia à toga latina, e a cena era passada na Grécia, sendo quase a totalidade das personagens gregas. Esse gênero de comédia, introduzido em Roma por Lívio Andronico, também foi cultivado por Névio, Ênio e Cecílio. No entanto, as fabulae palliatae são as únicas comédias romanas que chegaram até nós, por meio de Plauto e Terêncio. Muitas vezes, o poeta latino reunia em uma única peça cenas tomadas a duas ou várias comédias gregas, sendo chamado este procedimento de contaminatio, mistura.

Romano Togado
2. A Fabula togata, onde eram representadas cenas da vida romana. Os atores trajavam a toga, traje distintivo dos Romanos, e a cena se passava na Itália. Esta modalidade foi introduzida muito mais tarde, na época, talvez, de Terêncio, século II a.C. Entre os poetas que a cultivaram, são citados Titínio, Tito Quíncio, Ata e principalmente Lúcio Afrânio. Este último, todavia, embora pondo em cena personagens romanos, imitava autores gregos, sobretudo Menandro. Com ele, a togata aproximou-se da paliata.

O diálogo em cena que era simplesmente recitado, dava-se-lhe o nome de diverbium ou deverbium, e a qualquer outro gênero teatral cantado ou ao menos recitado com acompanhamento de flauta, o de canticum.

TITO MACIO PLAUTO

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Plauto
PLAUTO (cerca de 230-180 ou 184 a.C.), nascido na Sárcina, Úmbria, região central da Itália, desconhecendo-se ao certo a sua data de nascimento. Sabe-se, entretanto, que em 191 era senex, idoso. Foi autor, e talvez, ator e diretor de uma companhia teatral, fazendo riqueza com essa empreitada, porém, arruinando-se, foi obrigado a tocar a mó de um moleiro para ganhar a vida. Continuou, porém, a escrever comédias e conseguiu de novo ganhar dinheiro bastante para deixar o moinho e entregar-se exclusivamente à composição de suas peças.

COMÉDIAS

Foram-lhe atribuídas 130 peças, e Varrão tentou distinguir as autênticas, reconhecendo 21 como tais e 19 como duvidosas.

As 21 peças que Varrão admitiu como autênticas são as únicas que chegaram até nossos dias, sendo a última, a Vidularia, muito mutilada, não lhe sendo possível estabelecer a cronologia completa, e tendo sido, portanto, distribuída, nos manuscritos, mais ou menos de acordo com a ordem alfabética.

Eis o elenco das 21 peças plautianas:

1) AMPHITRUO, onde Júpiter toma os traços fisionômicos de Anfitrião, general tebano, e Mercúrio, os do escravo dele, chamado Sósia, causando uma série de mal-entendidos cômicos quando os verdadeiros Anfitrião e Sósia retornam.

2) ASINARIA, peça que tem esse nome devido a uma quantia de dinheiro proveniente da venda de alguns burros. Em latim, asinus é burro.

3) AULULARIA, a farsa da marmira, que é aulula em latim, mais precisamente marmita ou panela pequena.  A comédia conta a história de um avarento, de nome Eucalião, que achou uma panela cheia de ouro e a descrição dos cuidados e preocupações que lhe causa tal tesouro.

4) BACCHIDES, dois velhos que rivalizam com os próprios filhos para conquistar duas meretrizes gêmias e ambas chamadas Báquis.

5) CAPTIVI, conta sobre Hegião que encontra de novo seus dois filhos, um dos quais fora raptado em tenra idade, e o outro feito prisioneiro - captivus - em combate.

6) CASINA, chamada assim por causa do nome da principal personagem, a órfã Cásina, disputada por vários pretendentes.

7) CISTELLARIA,  'o cofrezinho', em latim.

8) CURCULIO, 'o gorgulho', inseto que devora o trigo. Este parasita desempenha papel importante nesta comédia.

9) EPIDICUS, nome de um escravo malandro e fantasista, cujas artimanhas têm grande parte na intriga.

10) MENAECHMI, narra a história de dois gêmeos semelhantes que com muita frequência são tomados um pelo outro. É uma das comédias mais naturais de Plauto, e foi muitas vezes repetida, por Shakespeare, Rotrou, Regnard e Tristan Bernard, em 1908.

11) MERCATOR, onde narra as aventuras do comerciante - mercator em latim - de nome Carino.

12) MILES GLORIOSUS, que tem como principal personagem um soldado fanfarrão, que narra aventuras imaginárias.

13) MOSTELLARIA, 'o fantasma', mostellum, diminutivo de monstrum, em latim, onde se narra que um escravo convence a seu senhor que a casa dele está sendo visitada com frequência por uma alma de outro mundo.

14) PERSA, onde o escravo Toxilo, durante a ausência do dono, passa por dono da casa.

15) POENULUS, 'o pequeno Cartaginês', onde o cartaginês Hanão reencontra suas duas filhas que tinham caído nas garras do ávido Lycus (lobo).

16) PSEUDOLUS, 'o enganador', nome de um escravo que engana habilmente Ballio. Esta era a peça predileta de Plauto.

17) RUDENS, comédia que tira seu nome de uma corda que puxou uma caixinha que serviu para reconhecer a jovem Palaestra, que um alcoviteiro pretendia arrancar ao próprio pai, mediante engano.

18) STICHUS, onde trata sobre a fidelidade conjugal de duas mulheres durante a ausência dos maridos. Voltando eles, a alegria é geral, e até o escravo Stichus e seus companheiros participaram.

19) TRINUMMUS, 'as três moedas", é a história de um tesouro oculto. Em latim nummus é moeda.

20) TRUCULENTUS, é sobre um escravo rabujento (ou truculento) chamado Stratyllax, que ajuda a seu amo a desfazer os ardis da prostituta Phronesium.

21) VIDULARIA, 'a maleta', que está perdida a maior parte.

Quase todas as comédias de Plauto obtiveram grande êxito. Muitas e muitas vezes subiram à cena, mesmo após a morte do autor. Cícero via nelas um modelo de urbanidade, porém, no século de Augusto, Horácio e  sua escola pretenderam colocá-las de lado.

Plauto foi pouco conhecido durante a Idade Média, readquirindo fama do Renascimento para cá, e foi muito imitado por Shakespeare, Rotrou, Molière, Regnard. No século XVII foi, no entanto, muito menos apreciado e muito menos estudado que Terêncio. A partir do século XIX começou a ter predominância, sendo considerado o primeiro entre os cômicos latinos.

O principal mérito de Plauto residia no diálogo e no estilo. Possuía chiste inesgotável, naturalidade, vivacidade, fogo contínuo de respostas prontas e cômicas e alegria esfuziante. Não é menor seu talento na invenção dos ritmos, sendo seus cantica obras-primas sob esse aspecto.

CECÍLIO ESTÁCIO

CECÍLIO (cerca de 220-168 a.C.), era celta, nascido na Gália cisalpina, mas viveu em Roma como escravo, tendo sido alforriado. Tomou, então, o nome do seu senhor, Caecilius.

Compôs comédias, enfrentando, porém, o insucesso no início. O ator teatral Ambívio Turpião conseguiu triunfar, e as peças cecilianas, então, tornaram-se muito populares.

Das comédias cecilianas só restam fragmentos, ao todo pouco mais de trezentos versos; conhece-se, no entanto, 42 títulos. 

Foi o Estácio o representante da transição entre a comédia de Plauto e a de Terêncio, sendo menos alegre que o primeiro e menos fino que o segundo.

PÚBLIO TERÊNCIO

Terêncio
TERÊNCIO ( 185?-159? a.C.), apelidado AFER, nasceu em Cartago, sendo levado para Roma como escravo. Seu dono foi o senador Terêncio Lucano, que lhe mandou dar educação esmerada, e mais tarde lhe concedeu alforria.

Foi amigo de homens eruditos, como Lélio e Cipião, aristocratas literatos que participaram da destruição de Cartago. Para se compreender bem suas comédias, é necessário saber que foram escritas tanto para estes literatos finos quanto para os espectadores do teatro. Alguns até mesmo pretenderam que Lélio ou Cipião tivesse sido o verdadeiro autor e Terêncio um suposto nome. Contudo, nada prova tal afirmativa.

OBRAS

De Terêncio se conhece seis comédias, juntamente com suas datas. Por ordem cronológica são as seguintes:

1) ANDRIA, 'a Adriana' ou 'a jovem de Andro', escrita sobre o modelo de duas peças de Menandro.

2) HECYRA, 'sogra', representada em 166, quando o público abandonou o teatro para assistir aos funâmbulos; depois, foi novamente apresentada em 160, e o povo acorreu em massa.

3) HEAUTONTIMOROUMENOS, 'o que se castiga a si mesmo', onde narra Menedemo castigando-se por ter, com sua severidade, forçado ao filho a seguir para a Ásia.

4) EUNUCHUS, comédia baseada no Eunuco de Menandro. Fez grande sucesso.

5) PHORMIO, 'formião', nome de um parasita que desempenha importante papel na peça. Moliere o imitou nas Fourberies de Scapin, comédia em três atos. 

6) ADELPHOE, 'os irmãos', é a obra-prima de Terêncio, na qual se narra o contraste entre dois irmãos, Ésquino, educado com tolerância por seu tio Micião, e Ctesifão, criado de maneira severa por seu pai Dêmea. É preferida a educação tolerante.

Deve-se saber que nunca Terêncio procurou ocultar seus empréstimos, atendo-se muito mais aos modelos gregos do que Plauto. Mas apesar disso, não deixa de ter originalidade, conseguindo fundir bem os elementos colhidos em vários poetas, pelo processo da contaminatio, dando-lhes uma admirável unidade, notada no caráter das personagens.

Foi pouco apreciado em sua época, vindo a sê-lo muito tempo após sua morte. Suas comédias foram representadas mais de uma vez, e frequentemente lidas e estudadas. Foram citadas muitas vezes por Cícero, e muitos eruditos, dentre os quais Varrão, deram-se ao trabalho de comentá-lo. Destes comentários, resta-nos ainda hoje o do gramático Donato, do século IV, que fornece valiosas informações. Ainda na Idade Média era Terêncio Afer lido, embora sua métrica fosse ignorada e os versos copiados como se fossem prosa.

No Renascimento foi muito estudado e apreciado, posto por Montaigne bem acima de Plauto. Foi admirado na França principalmente nos séculos XVII e XVIII. Bousset o explicou ao Delfim. Fénelon não hesitou em colocá-lo muito acima de Molière. Porém, a partir do século XIX, foi suplantado por Plauto, cedendo-lhe o lugar.
Paulo Barbosa.

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