segunda-feira, 28 de março de 2011

LITERATURA LATINA (XXXV): ÉPOCA DE AUGUSTO - POESIA PASTORIL, ÉPICA E DIDÁTICA [1ª PARTE]

POESIA PASTORIL, ÉPICA E DIDÁTICA

PUBLIO VIRGILIO MARO


VIRGÍLIO (70-19 a.C.), nasceu em Andes, próximo de Mântua, de família modesta, mas suficientemente abastada para lhe proporcionar uma educação esmerada. Após fazer estudos em Cremona, Milão e Roma, retornou à terra natal para viver no campo.

Em 41, quase foi expulso dos seus pequenos domínios, pois nessa ocasião procedia-se a uma distribuição de terras aos veteranos do Imperador Otaviano. Provavelmente obteve o favor de não ser despojado de seus bens. Mais tarde, entretanto, foi largamente compensado, e as liberalidade dos seus protetores o tornaram rico.

Teve numerosos amigos, dentre os quais Mecenas e o próprio Augusto, e sua principal tarefa foi a de ser compositor de poemas. Enquanto os compunha, era interrompido vários vezes, devido a saúde que não estava íntegra. Sofria da garganta, do estômago, da cabeça e escarrava sangue.

Era Virgílio de estatura elevada, moreno de rosto, e com aparência de campônio, segundo nos chegou seus caracteres. Na sociedade, apresentava-se tão tímido e acanhado que, facilmente, passaria por homem sem instrução. Muito embora a eloquência não fosse seu dote principal, lia de maneira encantadora os versos que compunha.

Escreveu três obras, as Bucólicas, as Geórgicas e a Eneida, compostas nesta mesma ordem. Na Eneida trabalhou dez anos, resolvendo após isso viajar à Grécia para concluir o poema, mas tendo adoecido, viu-se forçado a retornar, morrendo em Brindes na viagem de regresso.

AS BUCÓLICAS

AS BUCÓLICAS são dez poemetos em hexâmetros que apresentam na cena sobretudo pastores cantando os seus amores e celebrando os campos. O poeta entremeia de maneira discreta a seus protetores e, acima de tudo, o Imperador Augusto. A quarta Écloga - ou poema selecionado - dirigida a Polião, descreve o advento de uma nova era, onde haveria o retorno da idade de ouro.

Os modelos a quem o poeta teve em mente foram os idílios de Teócrito, poeta nascido na Sicília, do período helenístico e criador do gênero bucólico. De seus idílios tomou alguns assuntos e mesmo traduziu alguns versos. Aliás, bastariam os nomes dos pastores para demonstrar que o gênero é grego.

A imitação, no entanto, de Teócrito, é, quase sempre, muito livre, sendo os horizontes sicilianos ou de Cós substituídos por paisagens italianas e não faltando alusões à grandeza romana. O matriz da emoção é diferente e mais suave o sentimento, suprimindo-se as muito rudes disputas. O poeta conseguiu que fosse bem pessoal sua expressão de reconhecimento, assim como a descrição comovida que fez do campo, o grande quadro poético da quarta écloga. Mesmo que não passassem de traduções, é tal o encanto, a doçura, a harmonia dos versos que, ainda assim, revelariam no Mantuano um grande poeta. É lícito julgar que seu gênero é bastante artificial, que os pastores são cultos em demasia, porém esses defeitos não desmerecem o valor da obra em seu conjunto.

GEÓRGICAS

AS GEÓRGICAS são um poema didático que tem como tema a agricultura, e é dividido em quatro livros: I. Os campos; II. A vinha e as árvores frutíferas; III. Os rebanhos; IV. As abelhas

Fontes. Virgílio não se contentou com a experiência pessoal, mas foi consultar vários trabalhos, parecendo que aproveitou sobretudo os Trabalhos e Dias de Hesíodo, um certo Nicandro de Cólofon, autor de uma Geórgica, Aristóteles, Teofrasto, os tratados de agricultura do cartaginez Magão, assim como os de Catão, o Censor, e de Varrão. Consultou também os poemas astronômicos ou geográficos de Arato e Eratóstenes. Outros modelos além desses autores houve que lhe forneceram o material, modelos estes puramente poéticos, como Homero, Teócrito, Bíon, Partênio de Niccia, Calímaco e Lucrécio.

Valor. Do ponto de vista artístico, são as Geórgicas a obra mais perfeita de Virgílio, tendo o raro mérito de tornar interessante, atraente, um poema didático. Evita os escolhos do gênero, as enumerações fatigantes e monótonas, fundindo os diferentes elementos que havia reunido, dando-lhes unidade pela inspiração pessoal, pelo amor que tinha ao campo, pela ternura e simpatia aos camponeses, aos animais e às plantas, a que atribui sentimentos - miratur non sua poma (Geórgica, II, 82). Os mais célebres trechos são os episódios, ainda mais brilhantes e originais que o resto.

Composição. As Geórgicas foram compostas entre 37 e 30, aparecendo, por esta época, uma primeira edição. O livro quarto terminava, então, com o elogio de Galo. Em 26, tendo este caído no desagrado de Augusto, suicidou-se, e aquele longo trecho que lhe dizia respeito foi suprimido, substituindo-o Virgílio pelo espisódio de Aristeu.

ENEIDA

Enéias saindo de Tróia
A ENEIDA é um poema épico, composto de 12 cantos, que narra a saga de Eneias, príncipe troiano que viajou errante pelo Mediterrâneo após sair salvo da Guerra que bateu seu país, e que chegou à Itália, sendo considerado o ancestral dos romanos.

Fontes. É narrado aí uma lenda de origem grega que se espalhou em Roma sobretudo depois das Guerras Púnicas, falando da vinda de Eneias para Itália. Esta lenda foi celebrada antes por Névio, lembrada por Cícero e muitos outros autores.

Na verdade, Virgílio teve a intuição do partido que dela podia tirar. Era assunto a um tempo nacional e bastante remoto, de maneira a permitir nele a intromissão do maravilhoso. Com rara habilidade, insere o poeta no poema toda a história de Roma. A Odisséia lhe forneceu o modelo dos seis primeiros livros, enquanto que nos últimos seis segue, de preferência, a Ilíada, na composição. Muitos episódios, entretanto, são tomados de outras fontes, como por exemplo, o encontro de Dido e Eneias, que havia sido já contado por Névio. As minucias interessantes sobre as instituições, geografia, mitologia, tornaram a epopeia uma reconstituição histórica cheia de interesse para os Romanos.

Personalidade de Eneias. Era um rei e sua realeza tinha, acima de tudo, caráter religioso. Ao fugir, trouxe consigo os deuses de Tróia, ofertou sacrifícios, invocou as deidades. E era esse ideal que Virgílio queria inculcar nos Romanos: o do pius Aeneas. É, entretanto, também um valente e destemido guerreiro, optimus armis.

Os deuses. Estes têm mais dignidade e menos naturalidade que em Homero, não representando comédia, mas sempre falando com nobreza.

Apreciação. É o maior dos poemas romanos, o poema nacional de um grande povo, oferecendo ao mesmo tempo interesse universal pela sua beleza da forma e do ritmo, pelo que contém de humano na veracidade das personagens e dos sentimentos.

CARACTERÍSTICAS ESPECIAIS DA POESIA VIRGILIANA

Na poesia virgiliana avultam os seguintes préstimos:

1) Fontes de inspiração: patriotismo, sobretudo na Eneida, mas também nos outros dois poemas. Acima de tudo, ternura e delicadeza de alma, simpatia por tudo e por todos e amor ao campo.

2) Originalidade na imitação, ou seja, soube transformar o que tomou de empréstimo, dando-lhe, ora sabor latino, ora o encanto melancólico, que é seu caráter privativo.

3) Ciência e poesia são unidas, como nos Parnasianos.

4) Proporção e media, isto é, nada de exagero e forçado.

5) Amor à arte, ao acabado, ao perfeito. Tudo é muito bem elaborado, burilado com esmero. A versificação é pródiga em delicadezas que se assemelham a licenças para os que não penetram a fundo na técnica.

6) Beleza musical do estilo, onde se encontra doce harmonia, tão penetrante quanto tranquila.

REPUTAÇÃO

A glória de Virgílio tem sido luminosa, e glória que começou ainda em vida do poeta. Desde esta época, foi comentado nas escolas, onde o colocaram definitivamente ao lado de Homero. Não faltaram detratores, claro, mas as vozes destes desapareciam isoladas no mar dos elogios unânimes.

Na Idade Média não foi esquecido, conforme tantos outros grandes escritores. Nele via-se encarnada toda a poesia antiga. Tal era a sua popularidade que acerca dele se formaram lendas estranhas.

Nos tempos modernos Virgílio continua a ser um dos poetas mais estudados e amados, sendo dos autores clássicos o mais apreciado pelas crianças e adolescentes. Estudantes desprovidos de qualquer admiração pelos outros escritores latinos sentem, muitas vezes, a harmonia dos versos virgilianos e não ficam indiferentes aos sentimentos que exprimem.
Paulo Barbosa.

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