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"Karine Melo" <karininhamelo
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Olá, encontrei seu endereço num blog pelo google... Eu preciso de uma ajuda e achei q vc pode me ajudar... Eu curso letras na Universidade Tecnologica Federal do Paraná,e estou tendo filosofia no primeiro periodo. Estudamos o texto Crátilo e categorias de Platão e eu não consigo entender nadinha... rsrs Vc teria algum subsidio que pudesse nos ajudar? Obrigada, att Karine Melo. RESPOSTA |
Cara Karine,
Em primeiro lugar lhe peço para ler com atenção o Crátilo, todo o livro, pois sem uma leitura cuidadosa, parcial ou dinâmica, você nunca terá noções gerais do conteúdo da obra.
Respondendo sua pergunta, começo por lhe esclarecer rapidamente o que são as categorias ou predicamentos em Aristóteles.
Para o Estagirita (epiteto de Aristóteles por ter nascido em Estagira), o ser finito ou criado é dividido em dez categorias, que é a maneira especial em que tal ser pode ser realizado. Estas dez divisões ou maneiras especiais, porém, por sua vez, se subdividem em duas outras fundamentais, que são SUBSTÂNCIA E ACIDENTE.
Até agora temos, então, SUBSTÂNCIA E ACIDENTE no ser finito, ou seja, neste conjunto de seres que nos cercam, chamado de Mundo.
Pois bem, o que é substância? SUBSTÂNCIA é definida como AQUILO QUE POSSUI APTIDÃO PARA EXISTIR EM SI MESMA, como, por exemplo, o homem, uma casa, um relógio, seu lápis. (Só para vc ver uma relação: A substância em filosofia equivale ao substantivo na gramática).
Depois, o ACIDENTE, que vem a ser? Bem, a palavra acidente vem do latim, de um verbo (accidere) que significa acontecer. É aquilo que acontece à uma coisa (veja bem, COISA aqui é o mesmo que SUBSTÂNCIA). A filosofia define acidente como um princípio real (uma realidade, portanto) ao qual convém existir num outro (numa coisa, a substância) que seja seu sujeito de adesão.
Então, acidente é tudo aquilo que necessita (olha bem, NECESSITA) de outra coisa para existir, e esta outra coisa é a substância.
Note que a palavra SUBSTÂNCIA vem do latim e significa SUBSTRATO (= aquilo que fica por baixo). É composta de SUB = debaixo + STRATO = estrato, fundamento.
E ACIDENTE é tudo aquilo que sobrevém à substância, que acontece na substância.
Exemplo de acidente? Hummm, bem, a quantidade é um acidente. Uma substância (por exemplo, o menino Pedro) ser pequeno é um acidente. Pedro poderia ser médio ou grande sem que isso interferisse na substância dele (que é ser homem, animal racional).
Outro acidente? A cor, por exemplo. A cor de seu celular é uma acidente. Ele é preto, mas poderia ser azul ou vermelho sem que a substância de seu celular mudasse, ou seja, continuaria sendo celular (= aparelho de telefone).
Bem, até aqui chegamos a essa conclusão:
O SER FINITO NÃO É HOMOGÊNIO. O SER FINITO É DIVIDIDO EM CATEGORIAS, E A PRINCIPAL DIVISÃO CATEGÓRICA DO SER FINITO É EM SUBSTÂNCIA E ACIDENTE.
Mais um passo.
Já sabemos o que é substância (aquilo que existe por si mesmo, que não necessita de outrem para existir) e que na gramática equivale à classe que dá nome às coisas, ou seja, à classe dos substantivos.
Já sabemos também o que é acidente (aquilo que precisa de outra coisa para existir, que necessita de um sujeito para inerir, para aderir), como a cor, a quantidade, etc. Aliás, ninguém vê uma cor na rua, né mesmo? Você já encontrou uma cor no sinal de trânsito? Nunca. Toda cor que vemos (verde, amarelo, azul e branco, por exemplo), vemos sempre NUMA coisa, aderida NUMA substância, numa parede, papel ou pano, por exemplo.
Bem, resta-nos falar mais alguma coisa sobre o Acidente. O ACIDENTE se divide em 9 espécies diferentes, ou seja, existem 9 categorias de acidentes, de princípios reais que podem aderir a uma substância.
Veja bem: A SUBASTÂNCIA mais as nove espécies de ACIDENTES, formam as 10 CATEGORIAS encontradas por Aristóteles quando analisava o ser criado, o mundo.
E quais são as nove classes de acidentes? Vamos lá:
A QUANTIDADE, que é o acidente que sobrevém à substância para lhe dar divisibilidade, mensurabilidade e extensão espacial. Este é o acidente principal, pois é este acidente que faz uma coisa (=substância) ter tamanho, ser divisível e poder ser medida, possuindo extensão. Os demais acidentes necessitam também da quantidade para atuarem. Logo, ser pequeno, grande, médio, roliço, magro, são acidentes da quantidade.
A QUALIDADE é o acidente que traz ao ser, à substância, uma modificação interna. Veja, é diferente da quantidade, que modifica o ser para fora, externamente. Então, uma maçã de boa qualidade é a que possui capacidade de ser consumida, porque está boa. Boa é uma qualidade da maçã e interna. Os homens devem ter qualidades boas, ou seja, possuir modificações internas que os tornem bons, como a viturde, etc.
A RELAÇÃO é o acidente que sobrevém à substância para lhe fazer ligar (relacionar) a um termo, a um outro ser. Por exemplo: eu não era pai até 4 anos atrás. Há 4 anos passei a ser pai. Sobreveio em mim um acidente chamado relação, ou seja, eu passei a ter um termo oposto a mim, o filho, ao qual estou ligado. Então, a paternidade é um acidente de relação, pelo qual o sujeito que é pai se liga a um outro ser, o filho, ou seja, pai e filho são correlativos. - Então, mãe é acidente relação em relação a filho (a); patrão é relação, pois do outro lado há o empregado; senhor é relação, pois o correlativo de senhor é o servo.
A AÇÃO é o acidente pelo qual a substância age, por meio da qual ela é o princípio que produz um ato. Então, um soco na cara de alguém só é possível pela substântica que possui o acidente ação para tal. Veja que uma mosca não possui esse acidente de ação (dar soco), mas possui outro acidente de acção (de capturar alimentos, por exemplo).
A PAIXÃO é o acidente pelo qual uma substância recebe uma ação de outra coisa. Na realidade a paixão é correlativa à ação, pois toda ação tem uma reação (que é uma paixão).
A LOCALIZAÇÃO é outro acidente que vem ao ser e significa que este ser, esta substância, se encontra em um lugar qualquer e não em outro. Por exemplo, sua mochila está num determinado lugar agora (no seu quarto ou armário) e não em outro, como na minha casa. Esse acidente é chamado de UBI, que em latim é o advérbio de lugar que se traduz por ONDE. É o acidente que localiza, que diz onde está a coisa.
O QUANDO é outro acidente do ser que significa que tal ser existe no tempo e é medido por ele. Note que quando é palavra latina e que passou para a nossa língua. Quando é o advérbio de tempo, que significa o tempo em que. Todo ser finito existe no tempo e é pelo tempo medido (medido significa que o tempo passa e a coisa que era NOVA, fica MADURA e ENVELHECE depois... Essa é a medida do tempo que a ninguém perdoa).
A SITUAÇÃO chamada também ESTADO é o acidente pelo qual a substância finita está situada ou disposta de alguma maneira. Assim, Paulo está sentado. Estar sentado é situação ou estado, um acidente da substância Paulo. Estar deitado, em pé, etc. tb são o mesmo acidente.
A POSSE ou o TER é o acidente que provê o vestido para a substância. É chamada também de HÁBITO. É este acidente que cobre a substância ou a enfeita. Por exemplo, quando o juiz está togado, o estar togado é o acidente posse, ou seja, a substância do juiz está de posse da toga que o reveste. Estar calçado, vestido com camisa do flamengo, etc, são acidentes do TER ou da POSSE ou do HÁBITO.
BEM, E O QUE O CRÁTILO TEM COM ISSO?
O Crátilo é uma obra de Platão do primeiro período (ou seja, de quando ainda Platão era socrático em tudo e escrevia suas obras como diálogos em forma dramática).
(Platão tem 3 períodos : socrático, onde o Crátilo se insere; maduro, desde quando funda sua Academia, em 387 antes de Cristo até sua segunda viagem à Sicília, em 366; e de velhice, entre sua segunda viagem à Sicília (366) e a terceira (361), quando volta para a maneira dramática de escrever).
Bem, o Crátilo tem como finalidade tratar a natureza das palavras, onde Platão, contra os adeptos de Heráclito, ensina que as palavras são insuficientes para trazer a verdade, para levar a verdade ao homem, para descobrir ao homem a essência das coisas. [Alguns naquela época pensavam que as palavras, sobretudo as etimologias, eram suficientes para revelar a essência das coisa. Só por curiosidade, é no Crátilo que aparece a Teoria das Ideias de Platão.]
Em outros termos:
No Crátilo mostra Platão que as muitas e variadas análises das etimologias das palavras, de suas origens, não são suficientes para se estabelecer uma CIÊNCIA DA LINGUAGUEM, e depois, que somente a CIÊNCIA DA LINGUAGUEM não basta para dar a razão das coisas, a verdade sobre elas, conforme o heraclitismo (doutrina de Heráclito) pensava.
No heraclitismo a realidade era puro devir, ou seja, mudança pura. Não havia, portanto, SUBSTÂNCIA, a realidade que não muda e que é o substrato dos acidentes. É disso que Platão vai discordar no Crátilo.
E QUE TEM ISSO COM AS CATEGORIAS DE ARISTÓTELES?
Aristóteles é discípulo de Platão, portanto posterior.
No Crátilo a SOLUÇÃO dada por Platão é que EXISTEM REALIDADES PERMANENTES, QUE NÃO MUDAM E SÃO SEMPRE IDÊNTICAS (Ora, é daí que Aristóteles pega a Substância, que é realidade permanente, imutável, que permanece sempre a mesma, mesmo quando os acidentes mudam ou desaparecem). São estas realidades permanentes que servem de fundamento ao conhecimento científico, complementa Platão no Crátilo. Ou seja, a ciência não se faz do que muda, o objeto da ciência é o imutável, é conhecer a substância, a realidade permanente.
Continua Platão no Crátilo dizendo que por cima destas realidades que não mudam (ou seja, da substância aristotélica), existe o fluxo, a mudança que se vê no mundo físico. Este fluxo, esta mudança é o que se chama ACIDENTES.
Ora, tem tudo a ver o Crátilo com as Categorias aristotélicas, não é mesmo? O Crátilo foi uma das fontes onde Aristóteles bebeu sua descoberta dos Predicamentos (ou Categorias ou Divisões fundamentais do ser finito).
Só que Platão foi mais longe e Aristóteles não aceitou. Platão ensinou que existe uma região em cima de nós onde estão o imutável, as essências, ou seja, as substâncias. É o chamado MUNDO DAS IDEIAS, onde existem os paradigas, os modelos de tudo que há aqui no nosso mundo.
Aqui embaixo, na nossa terrinha, no mundo físico, só existem o movimento, a mudança, o dinamismo, a pluralidade, as imagens, ou seja, SÓ ACIDENTES...
Aristóteles não aceitou essa teoria. Ele concebeu que Substância e Acidentes fazem parte do mundo real, do nosso mundo. Tudo que é ser finito é composto de substância e acidentes. Você, Karini, é uma substância, e qual substância? a de ser humano... Você é ANIMAL RACIONAL... sua substância é essa. E você possui inúmeros acidentes: é branca ou preta, magra ou gorda, etc. Estes acidentes nunca mudaram nem mudarão a sua substância, ou seja, você nunca deixará de ser ANIMAL RACIONAL se de magra (acidente) ficar gorda (acidente)...
Aristóteles aceita a teoria do mestre sim, no Crátilo, mas não aceita a de que a substância só existe num mundo lá em cima, e aqui embaixo só acidentes, mudanças, etc.
Espero ter contribuído contigo e disponha sempre.
Paulo Barbosa.
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